- Que sinais são estes? E aquela outra chama, o que ela responde? Quem é que as provoca?
- Sobre esta lama imunda em breve poderás perceber o que se espera - respondeu Virgílio.
Mal ele terminara de falar, da escuridão surgiu um barquinho pilotado por um barqueiro solitário, cortando a água em nossa direção.
- Chegaste, alma culposa! - gritou ele ao ancorar.
- Flégias, Flégias, desta vez tu gritas em vão - respondeu o meu senhor -, pois só vais nos levar à outra margem e nada mais. Contendo a sua ira, o barqueiro concordou. Meu guia calmamente embarcou e depois eu entrei, e só então o barco pareceu carregado.
No meio do caminho, um ser lamacento surgiu das águas e me chamou, perguntando:
- Quem és tu que vens antes do tempo?
- Venho - respondi -, mas não demoro, mas quem és tu tão revoltoso?
- Eu sou um dos que chora, como podes ver.
- Com choro e com luto, espírito maldito, que assim permaneças, pois eu te conheço, mesmo tão sujo!
Depois que eu lhe respondi, ele irritou-se e saltou sobre o barco, tentando me agarrar. Virgílio, porém, foi mais rápido e conseguiu lançá-lo de volta ao rio.
- No mundo este homem foi pessoa orgulhosa - disse o mestre - e nada de bom resta em sua memória. Por isto é que sua alma está aqui tão furiosa. Quantos lá em cima se julgam grandes reis e aqui estarão como porcos na lama?
- Mestre - falei -, muito me agradaria também vê-lo aqui afundado na lama antes que saíssemos deste lago.
- Antes que apareça a outra costa - respondeu o mestre - teu desejo será satisfeito.
Pouco depois, ouvi seus companheiros o massacrarem. Eles gritavam: "Vamos pegar Filippo Argenti!". Deleitei-me ao ver aquele florentino arrogante morder a si mesmo com os dentes de raiva.
E lá o deixei, e disso não falo mais. Comecei, então, a ouvir vozes dolorosas, que me impeliram a olhar adiante.
- E agora meu filho - chamou-me o mestre - nos aproximamos da cidade que se chama Dite, com seus tristes cidadãos e grande companhia.
- Mestre, - observei - já posso ver as suas mesquitas logo acima do vale infernal! Elas brilham, vermelhas como ferro em brasa.
- É o fogo eterno que arde no seu interior que faz esse brilho rubro se espalhar pelo baixo inferno. - completou Virgílio.
Entramos no fosso que cerca a cidade e Flégias deu uma grande volta em torno dela, onde pude observar seus muros que pareciam ser de ferro. Quando chegamos diante da entrada da cidade, Flégias gritou alto com toda a força:
- Saiam! Saiam logo! É aqui a entrada.
Descendo do barco, fomos recepcionados por um grupo de demônios. Eles chegaram e perguntaram:
- Quem é esse que, sem morte, anda pelo reino da morta gente?
O sábio mestre veio em meu auxílio. Dirigindo-se aos demônios, fez sinais indicando que gostaria de falar com eles secretamente. Responderam os diabos, disfarçando sua arrogância:
- Tudo bem, mas vem tu sozinho. E esse outro aí, que achava que podia andar como rei nesta terra, que prove que pode voltar sozinho se souber, pois tu que o guiaste até aqui vais ficar conosco!
Apavorei-me diante dessas palavras e temi não mais poder voltar a ver o mundo outra vez.
- Caro meu guia - chorei, em desespero -, que tantas vezes me deste segurança, não me deixes, por favor! Se não pudermos prosseguir nesta jornada, que voltemos já sem demora!
Mas ele, confiante, me respondeu:
- Não temas, porque o nosso passo, ninguém pode impedir. Mas espera aqui e descansa. Não deixes de ter esperança, pois podes ter certeza que não te deixarei sozinho neste mundo baixo.
Ele falou e foi encontrar-se com os diabos, e eu fiquei só a observar de longe. Não ouvi a conversa. Só vi a briga de longe e a porta da cidade se fechar diante de Virgílio, que voltou para mim cabisbaixo, em um passo lento.
- Olha só quem me nega a cidade da dor! - disse, triste - Mas não temas, pois ainda vencerei esta prova. A esta hora já deve estar no portal deste inferno alguém por quem esta entrada será aberta.
- Quem és tu que vens antes do tempo?
- Venho - respondi -, mas não demoro, mas quem és tu tão revoltoso?
- Eu sou um dos que chora, como podes ver.
- Com choro e com luto, espírito maldito, que assim permaneças, pois eu te conheço, mesmo tão sujo!
Depois que eu lhe respondi, ele irritou-se e saltou sobre o barco, tentando me agarrar. Virgílio, porém, foi mais rápido e conseguiu lançá-lo de volta ao rio.
- No mundo este homem foi pessoa orgulhosa - disse o mestre - e nada de bom resta em sua memória. Por isto é que sua alma está aqui tão furiosa. Quantos lá em cima se julgam grandes reis e aqui estarão como porcos na lama?
- Mestre - falei -, muito me agradaria também vê-lo aqui afundado na lama antes que saíssemos deste lago.
- Antes que apareça a outra costa - respondeu o mestre - teu desejo será satisfeito.
Pouco depois, ouvi seus companheiros o massacrarem. Eles gritavam: "Vamos pegar Filippo Argenti!". Deleitei-me ao ver aquele florentino arrogante morder a si mesmo com os dentes de raiva.
E lá o deixei, e disso não falo mais. Comecei, então, a ouvir vozes dolorosas, que me impeliram a olhar adiante.
- E agora meu filho - chamou-me o mestre - nos aproximamos da cidade que se chama Dite, com seus tristes cidadãos e grande companhia.
- Mestre, - observei - já posso ver as suas mesquitas logo acima do vale infernal! Elas brilham, vermelhas como ferro em brasa.
- É o fogo eterno que arde no seu interior que faz esse brilho rubro se espalhar pelo baixo inferno. - completou Virgílio.
Entramos no fosso que cerca a cidade e Flégias deu uma grande volta em torno dela, onde pude observar seus muros que pareciam ser de ferro. Quando chegamos diante da entrada da cidade, Flégias gritou alto com toda a força:
- Saiam! Saiam logo! É aqui a entrada.
Descendo do barco, fomos recepcionados por um grupo de demônios. Eles chegaram e perguntaram:
- Quem é esse que, sem morte, anda pelo reino da morta gente?
O sábio mestre veio em meu auxílio. Dirigindo-se aos demônios, fez sinais indicando que gostaria de falar com eles secretamente. Responderam os diabos, disfarçando sua arrogância:
- Tudo bem, mas vem tu sozinho. E esse outro aí, que achava que podia andar como rei nesta terra, que prove que pode voltar sozinho se souber, pois tu que o guiaste até aqui vais ficar conosco!
Apavorei-me diante dessas palavras e temi não mais poder voltar a ver o mundo outra vez.
- Caro meu guia - chorei, em desespero -, que tantas vezes me deste segurança, não me deixes, por favor! Se não pudermos prosseguir nesta jornada, que voltemos já sem demora!
Mas ele, confiante, me respondeu:
- Não temas, porque o nosso passo, ninguém pode impedir. Mas espera aqui e descansa. Não deixes de ter esperança, pois podes ter certeza que não te deixarei sozinho neste mundo baixo.
Ele falou e foi encontrar-se com os diabos, e eu fiquei só a observar de longe. Não ouvi a conversa. Só vi a briga de longe e a porta da cidade se fechar diante de Virgílio, que voltou para mim cabisbaixo, em um passo lento.
- Olha só quem me nega a cidade da dor! - disse, triste - Mas não temas, pois ainda vencerei esta prova. A esta hora já deve estar no portal deste inferno alguém por quem esta entrada será aberta.
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Divina Comédia é a obra prima de Dante Alighieri, que a iniciou provavelmente por volta de 1307, concluindo-a pouco antes de sua morte (1321). Escrita em italiano, a obra é um poema narrativo rigorosamente simétrico e planejado que narra uma odisséia pelo Inferno, Purgatório e Paraíso, descrevendo cada etapa da viagem com detalhes quase visuais. Dante, o personagem da história, é guiado pelo inferno e purgatório pelo poeta romano Virgílio, e no céu por Beatriz, musa em várias de suas obras.
É interessante ler toda a obra.
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